"Ao contrário do que afirma implicitamente a poesia de seus contemporâneos espanhóis, para nenhum... [dos escritores hispano-americanos] há uma substância original nem um passado por resgatar: há o vazio, a orfandade, a terra do princípio não batizada, a conversação dos espelhos. Há, sobretudo, a busca da origem: a palavra como fundação".
Octávio Paz
Octávio Paz
Alguns pensadores defendem que o Brasil foi mais inventado que descoberto. Os colonizadores ao invés de tentarem entender as culturas dos nativos deste continente fizeram representações destes a partir de seus interesses e visões de mundo. Inventaram também o Brasil moldando a terra conquistada a esses interesses e visões de mundo no processo de exploração da conquista. Dificilmente se poderia recuperar a maioria da riqueza das visões de mundo contidas na grande multiplicidade de culturas nativas nas especificidades de seus vigores pré-coloniais. No vácuo de uma essência perdida a ser recuperada, o poeta mexicano Octavio Paz[1] vê a palavra poética como fundadora da essência de povos latino-americanos em construção, possível apenas através da “refutação do tempo”, em meio a “todas as eternidades que nós, os homens, fabricamos”.
Na perspectiva de uma ruptura forçada com um passado inacessível ou que lhes é estranho, os povos das ex-colônias são órfãos de culturas das quais não há nem uma substância nem um passado a resgatar. É assim que a palavra poética fundadora da essência latino-americana de Residência na Terra, de Neruda, não se refere a uma “Terra histórica”, mas sim a uma “geologia mítica”, segundo Paz. É desta forma que a criação da poesia do chamado “novo mundo” encontra condições para se tornar a poesia da criação da nova subjetividade de um novo homem, quer dizer, a poesia da reinvenção do homem e do mundo, trazendo simultaneamente “todas as eternidades” herdadas dos predecessores do “velho mundo” em si.
É extremamente interessante e fecundo o conceito de cosmópolis particulares expresso por uma literatura que, por ser órfã de uma antiguidade clássica específica sua para recuperar, além de beber água nas fontes das antiguidades culturais mais diversas ainda sente uma “nostalgia do futuro” a ser construído que supra a ausência deste passado glorioso ausente. A palavra poética, nesta perspectiva, é recriação, releitura, re-significação de todas as criações, leituras e significações; é o revigoramento; é a reinvenção do “velho mundo” em retribuição à sua invenção do “novo”; é a invenção do novo mundo pleno onde o elemento antes subjugado se afirma como parte integrante do todo sob uma nova perspectiva; é uma revolução subjetiva, uma revolução do ser que cria a si mesmo.
Penso no meu Estado, o Acre, no contexto da globalização, concebido como uma cosmópolis realmente muito particular, ligado ao mundo todo por uma revolução tecnológica e imerso em populações indígenas, algumas ainda aparentemente sem contato com a pretensiosamente auto-denominada “civilização”, outras já bem descaracterizadas de seu esplendor original; porções de florestas virgens e florestas habitadas por populações de extrativistas tradicionais em disputas de terras com agropecuaristas, serralheiros, sob interferência dissimulada, direta ou indireta, de mega-empresas globais, ONG’s, governos nacional e estrangeiros, e vários outros neo-mistérios das florestas do terceiro milênio do mundo globalizado. Características e contradições de mundos novos e antigos coexistindo nas eternidades simultâneas juntas com o sentimento de orfandade da nostalgia de um futuro a ser construído, reinventando o passado e a interpretação do presente; inventando o Acre, o Brasil, a Amazônia, o Mundo, o Passado, o Presente e o Futuro; o Eu, o Outro, o Nós e os Outros.
Não se trata mais de simples antropofagismo. Este é uma fase necessária, mas inicial. Trata-se sim de seu desenvolvimento, seu ir além. Estamos falando de todas as sínteses, do hibridismo radical, profundo, pleno; a essência de um coletivo humano transtemporal e transespacial espacializado e temporalizado: um universalismo específico, interativo, dialógico!... o artista é o escritor do gênesis; é o Simon Bolívar da subjetividade; é o Lampião da consciência oprimida; o Zumbi dos quilombos que guardam nossas esperanças livres. Sua arte pode ser nosso quilombo, nosso cangaço, nossa aldeia sideral, nosso seringal astral, nosso sorriso de carnaval. Somos um universo em expansão.
Armando Pompermaier: Professor
de História, Mestrando em Letras,poeta, compositor.
[1] PAZ, Octavio. Signos em rotação. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.
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