Alpinista de Mutá

O início de tudo é uma conformação anti-caos. Queria dizer desse estado de coisas poéticas e poeirentas que vemos nas esquinas e seringais. Esse, do caos surgido, como resposta ao favor natural de conformar as falsas harmonias, pretende-se ao em espera do universo. Acredita poder surgir do conflito uma natureza e uma possibilidade de identidade (inda que arbitrária) que nos conduza a uma atitude de agressão ao espaço sedentário. É poesia isso. E inspira-nos Hélio Melo, autor da floresta, com sua representação do real. Conduz-nos o tempo e a sombra desse tempo, numa hora incerta a dar declarações sobre a pele do concreto e dos óbulos. Vamos caminhando, nos atrepando em árvores e rios, alpinistas de mutá, alcançado pouca coisa mais que a geometria curta dos dedos, mas sonhando extrair dali uma essência sublime para negociar a vida.

domingo, 8 de junho de 2008

Hélio Melo 1

Para Hélio Melo o Mutá ( ou Jirau ) é usado em duas situações: a primeira é quando a seringueira escalda e o seu látex desaparece da parte trabalhada, e a segunda é quando o seringueiro trabalha há muitos anos cortando em cima do velho corte e este afina a casca da seringueira, diminuindo sua quantidade de leite. Para isso é preciso cortar mais acima, longe da estatura do homem da floresta, e faz-se então uma estrutura com troncos de árvores e cipós. Muitos morreram tentando surbir esse Mutá, homens que madrugadas a dentro dos anos deram suas vidas por um líquido precioso, sempre em busca da sobrevivência precário dos seringais.
Para nós, o Mutá é símbolo desse homem em busca, elaborando planos de sobrevivência, confirmando sua vida com a floresta, e longe de qualquer afirmação de origem nacionalista de possíveis críticos, afirma uma condição de afirmação do homem, não do Estado, embora essas duas condições podem estar associadas.


Nosso idéal é a discussão em torno dessa cultura, suas ferramentas e homens. Como cada uma constrói sua identidade nessa multiplicidade de esferas e domínios onde somos tão pequenos. Por isso mesmo Hélio Melo nos conduz nesse primeiro passo, nos colocando outros horizontes e estradas, cortando caminhos e nos encontrando umas vezes para negociar o que o tempo e o esforço nos trouxe.
Por isso mesmo insisto no homem, ferramenta de agressão ao que fazem dele. Instrumento de ordenação de um caos posto. Modelo de ação, arbitrário, de como devemos ou não permanecer em espera. Caminhado nessas estradas de seringa e asfalto, entre o concreto e o macio chão das folhagens quase podres, uns dizendo algo, algo sem rumo, a precisar endireitar-se com o processo, num empreendimento anarquico de ódio e paixão.

Diversos são os caminhos a seguir. Muitos já não levam a nada. Já existe uma poesia sem sentido e sem amor. Uma lógica instrumental de mecanismos imprecisos e ocultos. Uma lei sem escrito. Um ~ sem palavra alguma. Nessa estrada deixamos pessoas e armas, instrumentos de matar e dar comida. Só sei que foi difícil saber que sabemos tudo e que não somos as pessoas que fariam alguma coisa.
Hélio Melo nos conduz a nós mesmos, ao centro dessa identidade sem volume e limite, fazendo assim, um existir em busca de um sentir-se agir.

A dar volume ao impossível
o improvável caso de tanta imagem
o convite foi lançado e cai entre os ouriços e corpos
estamos aqui e precisamos saber
que estamos
entre tantos
com palavras a dizer
e uma força a agredir.



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