Alpinista de Mutá

O início de tudo é uma conformação anti-caos. Queria dizer desse estado de coisas poéticas e poeirentas que vemos nas esquinas e seringais. Esse, do caos surgido, como resposta ao favor natural de conformar as falsas harmonias, pretende-se ao em espera do universo. Acredita poder surgir do conflito uma natureza e uma possibilidade de identidade (inda que arbitrária) que nos conduza a uma atitude de agressão ao espaço sedentário. É poesia isso. E inspira-nos Hélio Melo, autor da floresta, com sua representação do real. Conduz-nos o tempo e a sombra desse tempo, numa hora incerta a dar declarações sobre a pele do concreto e dos óbulos. Vamos caminhando, nos atrepando em árvores e rios, alpinistas de mutá, alcançado pouca coisa mais que a geometria curta dos dedos, mas sonhando extrair dali uma essência sublime para negociar a vida.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O conhecimento para a evolução

Jacinto havia perdido os arquivos de sua tese de doutorado em física que passara quatro anos para concluir, da qual dependeria totalmente seu brilhante futuro profissional. Além do original em seu lap top, perda total num acidente, Jacinto ainda depositava esperanças de conseguir recuperar a única cópia existente em seu pen drive; ele não poderia fazer muitas cópias, pois tratava-se de um projeto muito ambicioso, exigindo sigilo absoluto; não poderia correr o risco de ser plagiado.

Às vias do desespero, após tentar de tudo, ter esgotado todas as possibilidades, Jacinto procura uma rezadeira que faz umas rezas com umas folhas de arruda em seu pen drive e lhe indica um cyber-terreiro – que além de terreiro era também lan house, um local místico de conexão total, plena –, para que as rezas tivessem efeito, assim como para levar uns aconselhamentos, pois neste cyber-terreiro baixam uns “cabocos” que tem pós-doutorado em microeletrônica e sistemas de informações.

Chamou a atenção de Jacinto o som transe e techno, seus estilos musicais preferidos, que as “baianas” bailavam, com seus atabaques, agogôs e outros instrumentos percussivos eletrônicos. Na sessão, os “cabocos” e “pretos velhos” lhe disseram para ir à uma determinada mata para pegar umas determinadas folhas e cipós para fazer um chá – Jacinto ainda pensou o que teria a ver o chá com seu pen drive, mas àquelas alturas para ele já valia tudo –, assim como uns insetos exóticos e uns objetos incomuns para fazer umas simpatias e uns rituais estranhos.

Após alguns meses repetindo constantemente essa rotina, Jacinto já não lembrava mais o que tinha ido fazer no cyber-terreiro – na verdade, não lhe importava nem um pouco. Não se preocupava mais com coisas banais como física ou dinheiro ou carreira profissional. Havia trocado a ciência material pela consciência transcendental, dominando o processo da metamorfose da carne em luz e da luz em carne.

Hoje Jacinto vive em uma outra galáxia, numa aldeia sideral onde estuda para ser xamã, mas de vez em quando ainda vem em visita a este planeta. Um de seus passa-tempos preferidos é visitar o soberano de um pequeno planeta vizinho chamado B612, com quem gosta de contemplar o pôr do sol várias vezes seguidas – como B612 é um planeta pequeno, basta se sentar um pouco mais à frente para ver o sol se pondo novamente.

Armando Pompermaier

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Esta democracia tirânica!
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A eleição para presidente dos EUA tem sido o mais novo show midiático transmitido quase que 24 horas a que somos obrigados a assistir ainda que não queiramos. Primeiro foi a morte da menina Isabela, que ainda que não mais quisesse assistir, não tinha como fugir. Um canal mostrava a reconstituição, o outro entrevista exclusiva com o pai do Nardoni, o outro, exclusiva com a mãe da menina, os outros, como não conseguiam muito mais do que isto, mostravam imagens dos outros canais com slogan das outras emissoras e tudo o mais.
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O próximo episódio coisificado foi o do seqüestro terminado em morte da jovem Eloá. Técnicos e peritos explicando o que não podia ser explicado, analisando a ação da polícia, analisando os segundos de reação ao barulho que ninguém ouvir, mas que é perceptível por uma máquina em decibéis que não entendemos. Agora é a vez do show da ‘democracia’ mundial. Não que o mundo todo ame os EUA, mas é obrigado a se interessar pelo que por lá anda acontecendo.
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Refleti sobre alguns pontos que considero importantes neste assunto. A visão internacional sobre uma eleição local nunca é a expressão da verdade em todas as suas nuances. Lembro que o mundo via com bons olhos a eleição de Lula, como se fosse um marco para o país. O grande esquerdista defensor da moral e dos bons costumes da democracia. O mundo não sabia dos contextos e dos embates internos e nada falava sobre isto. Não sabia das fraquezas de Lula, que depois vieram a ser demonstradas na aplicação que ele fez da cartilha do FHC, indo até além e fazendo o que FHC não poderia fazer, reformas que dependiam de apoio dos sindicatos, que agora, apoiadores de Lula, permitem que sejam feitas, vergonhosamente, eliminando os direitos dos trabalhadores e chamando isto de progresso.
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A mídia quer nos ensinar que a democracia, a santa democracia ensinada pelos americanos ao mundo, é o melhor negócio do século. Esta democracia tem seus incoerentes congruentes. Somos democráticos, mas aqui somos obrigados a votar ou, no mínimo, justificar e dizer onde estávamos e porque não votamos. Somos democráticos, mas pagamos muitos IMPOSTOS, que herdaram seus nomes da imposição sem direito a discussão. Somos democráticos, mas não podemos falar muito dos defeitos e problemas dos governantes senão nossas esposas são remanejadas de setor, nossos filhos são transferidos de sala, nós somos proibidos de prestar serviço para órgãos estaduais e municipais em licitações de cartas, se não marcadas, pré-definidas. Somos democráticos, mas não temos acesso à tecnologia da saúde sem plano privado, nem previdência segura sem plano privado, nem à justiça sem uma boa dose de patrocínio a órgãos que já são pagos com o dinheiro do nosso IMPOSTO.
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Temos carros e casas que são nossos, mas pagamos para poder usá-los (IPTU e IPVA). Em nosso estado, especificamente, pagamos 25% de imposto sobre tudo o que consumimos do comércio. A companhia elétrica não nos cobra pelo que usamos, mas pelo que, na média, é contabilizado. Quem souber o que isto significa, nos ajude a entender. As companhias telefônicas móveis e fixas são cada vez mais imóveis para prestar bom serviço ao consumidor – recordes de reclamação nos Procon’s da vida, que para nada servem, porque nada resolvem; ao final de um longo processo dizem: “Agora só lhe resta entrar no Juizado de Pequenas Causas”. Poderia ter feito isto desde o início.
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Assim, vivemos num Estado de Direito Democrático. Não temos direito a nada. Somos controlados em tudo. E ainda querem que nos orgulhemos disto. Esta democracia tirânica!

Com Esperença
!
WINDOWS VISTA MARX!


Para quem não quer se render às maravilhas do mundo capitalista, uma alternativa revolucionária!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Universalismo específico: poesia como reinvenção do ser e do mundo

"Ao contrário do que afirma implicitamente a poesia de seus contemporâneos espanhóis, para nenhum... [dos escritores hispano-americanos] há uma substância original nem um passado por resgatar: há o vazio, a orfandade, a terra do princípio não batizada, a conversação dos espelhos. Há, sobretudo, a busca da origem: a palavra como fundação".
Octávio Paz

Alguns pensadores defendem que o Brasil foi mais inventado que descoberto. Os colonizadores ao invés de tentarem entender as culturas dos nativos deste continente fizeram representações destes a partir de seus interesses e visões de mundo. Inventaram também o Brasil moldando a terra conquistada a esses interesses e visões de mundo no processo de exploração da conquista. Dificilmente se poderia recuperar a maioria da riqueza das visões de mundo contidas na grande multiplicidade de culturas nativas nas especificidades de seus vigores pré-coloniais. No vácuo de uma essência perdida a ser recuperada, o poeta mexicano Octavio Paz[1] vê a palavra poética como fundadora da essência de povos latino-americanos em construção, possível apenas através da “refutação do tempo”, em meio a “todas as eternidades que nós, os homens, fabricamos”.
Na perspectiva de uma ruptura forçada com um passado inacessível ou que lhes é estranho, os povos das ex-colônias são órfãos de culturas das quais não há nem uma substância nem um passado a resgatar. É assim que a palavra poética fundadora da essência latino-americana de Residência na Terra, de Neruda, não se refere a uma “Terra histórica”, mas sim a uma “geologia mítica”, segundo Paz. É desta forma que a criação da poesia do chamado “novo mundo” encontra condições para se tornar a poesia da criação da nova subjetividade de um novo homem, quer dizer, a poesia da reinvenção do homem e do mundo, trazendo simultaneamente “todas as eternidades” herdadas dos predecessores do “velho mundo” em si.
É extremamente interessante e fecundo o conceito de cosmópolis particulares expresso por uma literatura que, por ser órfã de uma antiguidade clássica específica sua para recuperar, além de beber água nas fontes das antiguidades culturais mais diversas ainda sente uma “nostalgia do futuro” a ser construído que supra a ausência deste passado glorioso ausente. A palavra poética, nesta perspectiva, é recriação, releitura, re-significação de todas as criações, leituras e significações; é o revigoramento; é a reinvenção do “velho mundo” em retribuição à sua invenção do “novo”; é a invenção do novo mundo pleno onde o elemento antes subjugado se afirma como parte integrante do todo sob uma nova perspectiva; é uma revolução subjetiva, uma revolução do ser que cria a si mesmo.
Penso no meu Estado, o Acre, no contexto da globalização, concebido como uma cosmópolis realmente muito particular, ligado ao mundo todo por uma revolução tecnológica e imerso em populações indígenas, algumas ainda aparentemente sem contato com a pretensiosamente auto-denominada “civilização”, outras já bem descaracterizadas de seu esplendor original; porções de florestas virgens e florestas habitadas por populações de extrativistas tradicionais em disputas de terras com agropecuaristas, serralheiros, sob interferência dissimulada, direta ou indireta, de mega-empresas globais, ONG’s, governos nacional e estrangeiros, e vários outros neo-mistérios das florestas do terceiro milênio do mundo globalizado. Características e contradições de mundos novos e antigos coexistindo nas eternidades simultâneas juntas com o sentimento de orfandade da nostalgia de um futuro a ser construído, reinventando o passado e a interpretação do presente; inventando o Acre, o Brasil, a Amazônia, o Mundo, o Passado, o Presente e o Futuro; o Eu, o Outro, o Nós e os Outros.
Não se trata mais de simples antropofagismo. Este é uma fase necessária, mas inicial. Trata-se sim de seu desenvolvimento, seu ir além. Estamos falando de todas as sínteses, do hibridismo radical, profundo, pleno; a essência de um coletivo humano transtemporal e transespacial espacializado e temporalizado: um universalismo específico, interativo, dialógico!... o artista é o escritor do gênesis; é o Simon Bolívar da subjetividade; é o Lampião da consciência oprimida; o Zumbi dos quilombos que guardam nossas esperanças livres. Sua arte pode ser nosso quilombo, nosso cangaço, nossa aldeia sideral, nosso seringal astral, nosso sorriso de carnaval. Somos um universo em expansão.
Armando Pompermaier: Professor
de História, Mestrando em Letras,
poeta, compositor.


[1] PAZ, Octavio. Signos em rotação. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1976.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Saramago lança um blog!

Sobre Fernando Pessoa
José Saramago
Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Brasil é grande, mas o mundo é pequeno - Eduardo Viveiros de Castro.

O Brasil é grande, mas o mundo é pequeno

Por Eduardo Viveiros de Castro


Ao contrário do que disse o ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, a Amazônia não é uma “coleção de árvores”. Estas existem nos hortos botânicos ou nos jardins de palácios. A Amazônia é um ecossistema, uma floresta composta de árvores e uma infinidade de outras espécies vivas — inclusive seres humanos, que lá estão há pelo menos quinze mil anos.

A Amazônia jamais foi um vazio humano antes da invasão européia; ao contrário, seu nadir demográfico foi alcançado após a invasão, com suas epidemias, seus massacres metódicos, seus descimentos forçados das populações nativas para fixação em missões e feitorias. E as populações indígenas encontraram, ao longo destes milênios de co-adaptação com o ecossistema amazônico (ou eco-sistemas - pois a Amazônia não é uma só, mas muitas), soluções de “sustentabilidade” infinitamente superiores aos processos truculentos e míopes de desmatamento com correntes, desfolhantes, motosserras e assim por diante.

A floresta amazônica sempre foi povoada, e nunca foi, ou não é há mutos séculos, milênios talvez, “virgem” — a maioria das espécies úteis da floresta proliferou diferencialmente em função das técnicas indígenas de aproveitamento do território e de seus recursos. Mas do fato da floresta não ser mais virgem não se segue que seja legítimo estuprá-la. Pois é exatamente isso que se está fazendo.

A Amazônia está sim sofrendo um violento processo de agressão — digo a Amazônia, não a tal coleção de árvores —; a Amazônia inteira, suas populações tradicionais e suas miríades de espécies vivas. Um novo modelo de desenvolvimento, como tem sido reiteradamente pregado para o Brasil, , um que não seja a imitação simplória das receitas norte-européias, precisa ser um modelo que ponha a floresta no centro da equação — pois chegou-se a um momento da historia do planeta onde a vida é o valor em crise — a vida humana e não-humana. Não é mais possível fazer politica sem levar em consideração o quadro último em que toda politica real é feita, o quadro da imanência terrestre.

Usei a palavra imanência deliberadamente aqui. O ministro Mangabeira Unger falou em entrevista recente que o destino do homem é ser “grande, divino; não é ser uma criança aprisionada em um paraíso verde”; e que “todas as pessoas são espiritos que desejam transcender”. Os índios concordariam com o ministro que todas as pessoas são espíritos; talvez não concordassem com a idéia de que só os seres humanos são pessoas, mas esse é um outro problema. Com certeza, porém, não concordariam com a idéia de que todos os espiritos ou pessoas “desejam transcender”. Essa é uma afirmação que soaria aos ouvidos indígenas inquietantemente parecida com aquela que eles vêm ouvindo com tanta insistência durante os cinco séculos desde a chegada dos europeus — a afirmação de que eles são crianças que precisam dobrar-se à mensagem divina da transcendência para se tornarem seres humanos plenos, a saber, cristãos e bons cidadãos (i.e. com muita fé e nenhuma terra). Estou falando da conversão e da catequese forçadas, às quais se juntaram a sujeição econômica e politica dos povos indígenas e uma história de etnocídio.

Os índios não estão “aprisionados em um paraíso verde” como disse o ministro. A Amazônia não é um paraíso; ao contrário, é uma laboriosa construção co-adaptativa, um sistema em equilíbrio dinâmico onde entrararam a engenhosidade técnica humana (indígena) e as infinitas engenhosidades naturais das espécies que ocupam a região. E os índios não estão aprisionados lá.
A idéia de que as populações indígenas precisam ser “liberadas”, que Mangabeira Unger expôs em certo texto recente, parece-me visceralmente equivocada. Os índios que sofrem de depressão, suicidio, alcoolismo, como lamenta o ministro, são justamente os índios que não dispõem de terras — os índios do MS por exemplo —, não os índios da Amazônia como os Yanomami, povo forte e feliz, justamente por gozar de um território à medida de suas necessidades vitais e espirituais. As áreas indígenas da Amazônia são as áreas menos desmatadas, são elas que detêm a devastação nas fronteiras do país; e elas são peça essencial no processo de regularização ou estabilização jurídica da situação fundiária caótica que é a Amazônia, o paraíso da grilagem, da pistolagem, do narcotráfico, do contrabando e do subsídio.

A Amazônia tem hoje cerca de 20% de seu território desmatado — nas áreas indígenas, é menos de 1%. Em Rondônia, a situação é irreversivelmente catastrófica. Em Roraima, o que temos são arrivistas vindos do Sul surfando na onda da ditadura (integrar para não entregar), que sustentam um sistema politico local baseado na corrupção generalizada e na exploração extensiva de áreas sem nenhuma incorporação significativa de mão de obra. E ainda querem culpar os índios.

O general Heleno levantou uma lebre inexistente, e se fez porta-voz dos interesses mais retrógrados, civilizacionalmente falando, que hoje cobiçam a Amazônia. O problema da Amazônia, ou do desenvolvimento da Amazônia, não é a falta de idéias, como parece supor nosso ministro, sempre abundante em idéias, mas o excesso de interesses — o conflito de interesses, nem todos interessantes para o país. A posição do governador de Mato Grosso, que conjuga de maneira éticamente miraculosa (o primeiro eufemismo deste texto) o papel de representante de um Estado da federação, seu maior agente econômico e seu principal devastador ecológico, é repugnante, sob todos os titulos.

Naturalmente, os índios sofrem com vários problemas, muitos deles causados pela incúria dos órgaos e agências de estado que deveriam fazer respeitar seus direitos constitucionais. Mas também não se pode negar que os índios conhecem outras dificuldades de adaptação às formas socioeconômicas (e espirituais) da sociedade nacional, não porque lhes faltem oportunidades (ainda que estas lhes faltem, em muitos casos), mas porque suas culturas e sociedades escolheram desde muito cedo na história um caminho civilizacional radicalmente distinto do nosso — o que se poderia chamar de uma via da imanência em lugar de uma via da transcendência.

As culturas indígenas não estão fundadas no princípio de que a essência do ser humano é o desejo e a necessidade. Seu modo de vida, seu “sistema” de vida, no sentido mais radical possível, é outro. Os índios não rezam pelo sistema econômico-religioso ocidental que consiste em tirar das pessoas o que elas têm e fazê-las desejar o que não têm – sempre. Outro nome desse princípio é ”capitalismo”, ou “desenvolvimento econômico”. Esta é a velha história bíblica da falta e da queda, da insaciabilidade infinita do desejo humano perante os meios materiais finitos de satisfazê-los.

O desenvolvimento é sempre suposto ser uma necessidade antropológica, exatamente porque ele supõe uma antropologia da necessidade: a infinitude subjetiva do homem – seus desejos insaciáveis – em insolúvel contradição com a finitude objetiva do ambiente – a escassez dos recursos. Estamos no coração da economia teológica do Ocidente, como tão bem mostrou Marshal Sahlins; na verdade, na origem de nossa religião do “desenvolvimento”. Mas essa concepção econômico-teológica da necessidade é, em todos os sentidos, desnecessária. O que precisamos é de um conceito de suficiência, não de necessidade.

Contra a teologia da necessidade, uma pragmática da suficiência. Contra a aceleração do crescimento, a aceleração das transferências de riqueza, ou circulação livre das diferenças; contra a teoria economicista do desenvolvimento necessário, a cosmo-pragmática da ação suficiente. Os índios são os senhores da imanência. Que transcendência temos nós, os orgulhosos brasleiros, supostos representantes da Razão e da Modernidade, a oferecer a eles, neste desanimador começo de século? É mais fácil os índios nos libertarem que nós irmos libertar a eles. Pelo menos em espirito.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Nossos profetas profanos!

Ideologia
Composição: Cazuza/Roberto Frejat

Meu partido é um coração partido

E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah! eu nem acredito...

(...)

Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder

Ideologia! Eu quero uma prá viver
Ideologia! Eu quero uma prá viver...


* * *

Não sei vocês, mas parece que os profetas profanos, homens que profetizaram sobre as verdades da vida sem serem religiosos, estavam assistindo a política local e se pronunciando! Meu coração fala... Meu coração que fala... Meu partido é um coração partido...

As ilusões de mundo melhor, noções de primeiro mundo, modernidade que nunca vem, "estão todas perdidas"...

Os sonhos de uma vida melhor, poder ter liberdade de expressão, melhor estrutura, foram todos vendidos em troca de cargos, DAS's, licitações direcionadas, malas, cuecas, mensalinhos, mensalões, CSS (a nova CPMF)... e o pior: tão barato que eu nem acredito!

A constituição americana da democracia tem como história um grupo de fazendeiros que escolheram um deles para representar os outros. Portanto, estar no "poder" deveria ser estar diretamente "a serviço de" um grupo de iguais. Iguais que se tornariam maiores porque o escolheram para representá-los. Ao invés disto, viraram inimigos, destruindo os direitos daqueles que deveriam proteger e servir. Nada de 13º salário (por que tanto brigaram), se fizer greve corto o ponto, contribua mais (mais IMPOSTO), estude menos, seja menos saudável, faça empréstimos livres até se endividar todo... E quando procuro meus heróis, vejo que morreram de 'overdose', totalmente drogados pelo mesmo dinheiro que deveriam usar bem a meu favor, e os que estão no "poder", viraram meus inimigos ao invés de me representar!

Por isso pessoas não tem mais uma ideologia pela qual viver! Ouço por aí - "Por favor alguém compre meu voto! Preciso de dinheiro!"

Profetas! Profanos, mas sempre profetas!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Brasil Olímpico


Creio que, como a maioria esmagadora dos moradores destas terras, tenho acompanhado os Jogos Olímpicos mais do que deveria. Ou pelo menos da maneira errada. Há coisas que não consigo entender com clareza por mais que me esforce. Esta situação de todos os países condenarem 'oficialmente' a guerra entre Rússia e Geórgia mas não tirarem o olho do quadro de medalhas, me faz refletir sobre quem sou neste universo crítico.

* * *
Ninguém protestou deixando de participar. Ninguém julgou a participação da Rússia inconveniente num contexto de 'irmandade' dos jogos. Ninguém deixou de olhar para o quadro de medalhas, sobretudo da maneira como convém.

* * *
Os EUA chegaram a mudar o referencial para parecer melhor. Todos sabem que o que mais vale é o número de medalhas de ouro que qualifica melhor, e não o total de medalhas. Mas era circulado nos EUA que eles estavam em primeiro porque tinham mais medalhas que a China. Até que a China os ultrapassou até no número total.
* * *
Quanto ao Brasil, o melhor é ouvir as declarações do tipo "ficamos em sétimo, mas é muito bom, pois nas Olimpíadas passadas ficamos em oitavo". Nesta projeção, até a volta de Jesus o Brasil estará bem melhor! Oh!
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Isto me lembra uma música do Gabriel, o pensador: Brazuca é bom de bola (...) porque não existe educação pro povo no país do futebol. E neste contexto nos frustramos porque percebemos que nem somos um país 'moderno' (falta água encanada à maioria, esgoto, salário digno, emprego, escola, posto de saúde, acesso, etc., etc., etc.) e nem somos um país expressivo nos esportes.
* * *
E ainda ficam os locutores das emissoras que transmitem obrigatoriamente a mesma coisa querendo inscrever em nós o pensamento de que, se não somos tão bons em assuntos de política pública e social, ao menos somos bons no esporte. Não somos! Não somos um monte de coisas. Aliás é bom lembrar que a única medalha de ouro do Brasil nestes jogos até o momento em que escrevo veio do lugar mais inesperado. O nadador não patrocinado oficialmente, que paga seu treinamento por conta própria apoiado apenas pela família, morando nos EUA há mais de três anos.
* * *
Por tudo isto, acima de tudo, precisamos ser algo: conscientes de que o Brasil não o 'Brasil Olímpico' que querem nos fazer enchergar!

sábado, 9 de agosto de 2008

Legalidade=Imoralidade, a face dos extremos, ou a carta aos bancos

Prof Dra Sonia G Mokarzel escreveu:

CARTA ABERTA AO BRADESCO
(Com cópia para o Itaú, Citibank, Unibanco, etc, etc, etc....)

Senhores Diretores do Bradesco,

Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina de sua rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da feira, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.Funcionaria assim: todo mês os senhores, e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, feira, mecânico, costureira, farmácia etc). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao pagante. Existente apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade.Por qualquer produto adquirido (um pãozinho, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até um pouquinho acima.Que tal? Pois, ontem saí de seu banco com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de eqüidade e de honestidade.Minha certeza deriva de um raciocínio simples. Vamos imaginar a seguinte, cena: eu vou à padaria para comprar um pãozinho. O padeiro me atende muito gentilmente. Vende o pãozinho. Cobra o embrulhar do pão, assim como todo e qualquer serviço. Além disso, me impõe taxas. Uma "taxa de acesso ao pãozinho", outra "taxa por guardar pão quentinho" e ainda uma "taxa de abertura da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.Fazendo uma comparação, com a qual talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo em seu Banco. Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto de seu negócio. Os senhores me cobraram preços de mercado. Assim como o padeiro me cobra o preço de mercado pelo pãozinho.Entretanto, diferentemente do padeiro, os senhores não se satisfazem me cobrando apenas pelo produto que adquiri. Para ter acesso aoproduto de seu negócio, os senhores me cobraram uma "taxa de abertura de crédito" -- equivalente àquela hipotética "taxa de acesso ao pãozinho", que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.Não satisfeitos, para ter acesso ao pãozinho, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente em seu Banco. Para que isso fosse possível, os senhores me cobraram uma "taxa de abertura de conta". Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da padaria", já que só é possível fazer negócios com o padeiro depois de aberta a padaria.Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "papagaios". Para liberar o "papagaio", alguns gerentes inescrupulosos cobravam um "por fora", que era devidamente embolsado. Fiquei com a impressão de que o banco resolveu se antecipar aos gerentes inescrupulosos, uma vez que agora, ao invés de um "por fora", temos muitos "por dentro".Tirei um extrato de minha conta -- um único extrato no mês -- os senhores me cobraram uma taxa de R$ 5,00. Olhando mais atentatamente o extrato, descobri uma outra taxa de R$ 7,90 para "manutenção da conta" -- semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".A surpresa não acabou: descobri outra taxa de R$ 22,00 a cada trimestre -- uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros (preços) mais altos do mundo.Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quentinho".Mas, os senhores são insaciáveis. A gentil funcionária que me atendeu entregou-me um caderninho onde sou informado que me cobrarão taxas por toda e qualquer movimentação que eu fizer.Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os se senhores esqueceram de me cobrar pelo ar que respirei enquanto estive nas instalações de seu banco.Por favor, me esclareçam uma dúvida: até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma.Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que sua responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências governamentais, que os riscos do negócio são muito elevados, etc. e tal. E, ademais, tudo o que estão cobrando está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco Central.Sei disso. Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem seu negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados. De modo que sei que suas taxas são legais. Mas também sei que são imorais. Por mais que estejam aparadas pela lei, tais taxas são uma imoralidade.
Brasília, 30 de maio de 2006
"Alguém desconhecido" [Confesso que há muito queria ver circulando algo assim na Internet. Talvez o efeito multiplicador desperte algum alerta nesses ratos insaciáveis chamados "banqueiros". Só faltou acrescentar que procedimentos assim nos remetem àquela velha conhecida "taxa de segurança" aplicada pelas Máfias de qualquer lugar do mundo. Se você não paga, seu negócio sofre um incêndio ou você tem as pernas quebradas]

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

¡NO TE CALLES! - GENERACIÓN Y

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¡GRITA CADA RUMOR!




quinta-feira, 31 de julho de 2008

Aqui é o meu País!

Costuman dizer que o Brasil é um país com dimensões continentais... Pois é! Isto vale também para as idéias que nele circulam. Descobri um texto interessante na internet sobre uma das idéias que fazem daqui um lugar muito diferente do que temos visto por aí... bem mais parecido com o que queremos. Um caso de justiça a ser seguido e admirado!

* * *

DECISÃO

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha , que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional),...
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia,....
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados.
Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás. Intimem-se.”
Voto pelo provimento do apelo, para absolver o apelante com fulcro no art. 386, VI do C.P.P.


Rafael Gonçalves de Paula,
Juiz de Direito (Decisão proferida nos autos nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO)

terça-feira, 15 de julho de 2008

A uma moça sem dentes*

a Ocimar Leitão

Para onde foram os teus dentes de leite?

A fissura em teu peito me faz ver o destino do homem,

te conduziram a todos os lugares

em que eu não poderia ir.

E o segurança da festa

deixa-te entrar. Não é fascinante?

A moça desdentada chora em casa,

mal sabendo que é igual a todas as moças.

Rever o outdoor do Boticário,

um frêmito, vê as finanças,

é melhor não. Certo espectro vem-lhe noturnamente

e a faz sorrir com um riso negro.

A moça sem dentes tem seios bonitos

e o homem sem amor tem o sexo quente.

E eu que pensava que não existia mais poesia

vi um bebê azul nos braços da moça,

sem pai, mas feliz

mal sabendo que a vida é quimérica

e a sociedade é um organismo em decomposição.




*Do Deserto Provisório, livro no prelo, pro meio de agosto desse 2008, lançamento obscuro e limitado de poucos exemplares, anunciarei. O Manifesto da poesia acreana contempórânea...

segunda-feira, 7 de julho de 2008

É proibido pensar!


É proibido pensar que o território quase livre do Acre está se tornando um lugar mais violento. Violentam o nosso direito de ver e de falar. Nos obrigam a 'balbuciar' coisas nos blogs por não podermos publicar nada oficialmente contrário, mesmo nos meios de comunicações declaradamente opositores. Podemos ouvir, mas não podemos enxergar com clareza. Podemos ouvir, mas não podemos falar sobre o que vemos, a não ser que alguém escreva o discurso para nós. A interpretação do que ouvimos é, mais do que sugerida, forçada. É proibido pensar, só é permitido repetir as fotos e fontes oficiais de quem paga para escrever a história, que cada vez mais se parece com estória.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Foco de Aftosa no Acre prejudica exportação de carne!

  • Essa é a notícia dos sonhos de todos os 'índios invisíveis' do território não livre do Acre hoje! Pode parecer terrorismo para alguns falar sobre isto num momento tão 'glorioso' do estado, quando finalmente conseguimos ganhar status de área livre para exportação e trazer 'benefícios' para o Acre.
  • O único problema com tudo isto é que eu/tu/eles não, temos de lidar com o preço do kilo da carne de primeira passando de pouco mais de R$8,00 para muito mais que R$20,00 e continuar ganhando a mesma coisa no final do mês.
  • Quem tem gado no pasto está rindo à toa. A arrouba subiu, em menos de dois meses, de R$40,00 para R$100,00, que era a estimativa para o final do ano. O que significa que para o final do ano... prepare-se! Enquanto isto, quem não tem gado no pasto, só sente parte da manada, fica olhando de longe o desenvolvimento dos latifundiários que tem conceções de desmatamento de áreas protegidas sob proposta de manejo, manejando nossa inteligência, exportando maneira na calada da noite, carne à luz do dia, política inteligente 24 horas por dia e deixando todos os demais sem noção de tempo presente ou futuro.
  • Tomara que a Aftosa apareça aqui! Assim, muda a minha vida pra melhor. O desenvolvimento - poder comer a carne que os estrangeiros comem - pode chegar de verdade à minha mesa. Não terei que ver mais os aumentos abusivos e saber que, como todos os outros assuntos do território quase livre do Acre, os assuntos que importam diretamente aos 'índios invisíveis' que acabamos nos tornando, não sejam discutidos apenas entre aqueles que mudam os nossos horários e depois vão embora morar em Brasília, onde o dinheiro permite que seja sempre dia, chegue tarde no trabalho, só trabalhe três vezes por semana e viaje todos os fins de semana para visitar os invisíveis!

    Com esperança!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Brasil empatou com a Argentina?

Quando reduzimos todas as possibilidades de diálogo entre o universo 'brasileiro' e o universo 'argentino' ao esporte, encontramos uma concorrência infinda em que um quer ser 'melhor' que o outro. É quase uma necessidade... quase uma fobia. Mas quando comparamos outras facetas destes universos, que mais que paralelos, são cruzados, vemos que o Brasil está longe de empatar com a Argentina.
Considerada muitas vezes um país 'sub' qualquer coisa em relação ao Brasil, é muito superior em sua história de luta por melhoria de qualidade de vida num processo histórico que parece nunca ter tido um fim ou ruptura em algum momento. Apenas evoluiu, mudou, transformou-se; mas o espírito é o mesmo.
No último dia 12.05 houve mais um 'panelaço' na argentina, melhor dizendo, em Buenos Aires, na capital, no lugar que representa o melhor de qualquer país. A razão: reação à política rural adotada pela presidente Kirchner.
Nós 'brasileiros', povo 'superior' em relação à Argentina, temos uma política agrária ruim, uma política fiscal decadente, uma política das cidades que conduz à ruína, uma política de políticos podre e nunca protestamos contra tudo isto. Pensamos que está tudo tão ruim que nada podemos fazer para piorar. Reclamamos dos altos impostos, comentamos com o vizinho, com o colega de trabalho, com a família... e até com o companheiro da fila do banco onde estamos esperando a vez para pagar mais uma vez o imposto (in)devido.
Reclamamos do ônibus e do preço da passagem que continuamos pagando todos os dias; do preço dos mesmos alimentos das mesmas marcas que sempre levamos para casa em nossa feira; do horário alterado sem a oportunidade de discussão para adequar as finanças das repetdoras de grandes emissoras e ainda deixamos que digam que foi para 'corrigir' um erro ao qual já estamos muito bem adaptados há 93 anos; continuamos comprando carne de segunda ou terceira porque a de primeira tem preferência para o 'primeiro' mundo e ainda nos gabamos de ter um estado considerado área livre de aftosa.
A doença que nos impede de crescer não é a aftosa, é a apatia.
O Brasil está longe de empatar com a Argentina. Temos muito o que aprender para mudar para melhor.

Com esperança.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Os condenados da terra





FRANTZ FANON (1925-1961)

Para o colonizado a vida só pode surgir do cadáver em decomposição do
colono, dado que o colonialismo significou a morte da sociedade autóctene.
Abater o colono é matar o opressor e o oprimido (Frantz Fanon)

Médico psiquiatra. Natural da Martinica e formado em Lyon. Médico na Argélia em 1953, demite-se em 1957 e passa para a Tunísia, juntando-se à Frente de Libertação Nacional. Torna-se argelino, participando na guerra da independência da Argélia entre 1954-1962. Ministro da informação do governo provisório da República Argelina. Um dos principais teóricos dos movimentos ditos de libertação nacional do chamado Terceiro Mundo. Considera, numa perspectiva psiquiátrica que a descolonização é sempre um fenómeno violento, a expressão de uma necessidade psico-sociológica, prenchendo uma dupla função: libertação em face do opressor e reconhecimento de si mesmo. Porque para o colonizado a vida só pode surgir do cadáver em decomposição do colono, dado que o colonialismo significou a morte da sociedade autóctene. Abater o colono é matar o opressor e o oprimido. Acaba por morrer de leucemia, mas em Washington, depois de, primeiro, a tentar tratar em Moscovo.
***
Os comentários possíveis ao livro de Fanon fogem por muito à ordem do pitoresco. Se inscrevem na ordem das contestações do poder e dão um novo fim às dicotomias inscritas na opção do colonizado que aceitar o poder dominante ou de negá-lo com revoluções que mantêm as estruturas da dominação. Fanon se coloca num dominio que assuta, mas que ao mesmo tempo é reflexo da única atitude digna possível: a violência.
Fanon não se contenta apenas com uma análise puramente econômica do imperialismo. Ele teoriza também o conflito identitário e cultural, tentando mostrar que os verdadeiros condenados da terra, os que são explorados absolutamente, são os colonizados.
Baseado não somente na teoria, mas adotando uma abordagem da experiência pessoal, Fanon observa as consequências de anos de submissão do povo e da "colonização do ser", como mesmo escreve.
Para se colocar contra a ordem estabelecida, o autor afirma que é preciso negá-la em absoluto, inclusive dentro de si mesmo. Não se pode apenas tomar o poder e reproduzir a ordem do colonizador contra o próprio povo, como fizeram os Estados Unidos, que se tornaram uma nova Europa. Fanon não quer transformar a Argélia numa nova Europa. Por isso mesmo, o triunfo da descolonização depende de vários fatores, um deles é a violência. O colonizado, por isso, desde sempre, deve estar preparado para a violência.
Esse é o ritmo do livro, escrito no leito de morte, e que conserva em si a inquietação dos condenados à liberdade. Leiam Fanon e comecem pensar nessa ordem de contestação.
Sobre o autor recomendo o artigo de Walter Günther Rodrigues Lippold, texto importante e que de maneira rápida nos remete ao autor e ao pensamento anti-colonização.
Fanon é atual, e através dele podemos nos reconhecer e contestar a colonização da modernidade. É com certeza uns dos melhores livros para se ler na vida.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Vende-se Identidade, quer comprar?



UMA IDENTIDADE FALSEADA, UMA QUESTÃO DE JOGO


O título do presente texto pode e deve suscitar algumas questões de ordem. A respeito do adjetivo que sucede a palavra plural que observamos, não nos é intenção afirmar que existem identidades verdadeiras e falsas. O que concordamos, e disso temos certeza, é que ideologias correntes, na política de modo geral, são utilizadas para evocar uma identidade falseada, com o objetivo de consolidar ideais de exploração, expropriação e consumo capitalista. Tais ideais são impostos pela mídia governamental e divulgados inconscientemente pela população, que aos seus hábitos, costuma incorporar os produtos que o Estado preparou para o consumo: o uso de bonés, camisetas, adesivos, lugares públicos e atitudes de nacionalismo-identitário. Tudo isso faz girar uma engrenagem do bem estar coletivo, adepto da sustentabilidade enquanto elo de manutenção de um capitalismo hipócrita e egoísta. Uma engrenagem que conforma os menos favorecidos, inculcando uma ideologia de sistema, de estrutura que mantém e sempre manterá uma falsa harmonia entre os diversos sujeitos que ocupam lugares no complexo jogo.
Os donos do jogo e os jogadores. São esses os personagens que vemos em função. A realidade está repleta deles. Por todas as partes desafiam e se colocam em partidas ideológicas, que têm um fim que já sabemos. A realidade em si é o caos. Sem as palavras e códigos, os mandamentos e convenções, as normas sociais e pessoais, as fazeres e saberes coletivos. E mais profundamente, os sujeitos individuais, instituições, políticas sociais, os complexos embates nos universos opostos da ideologia dos capitalistas e escravos, e todo um sistema lingüístico e cultural criado para um fim específico. Isso é o real. Não há nenhuma Matrix em questão, é matéria real de fato. Um mecanismo de jogo, com seus componentes específicos, assim como seu preço e conseqüência.
Os donos do jogo. Há sempre muito a ganhar e a perder. Se o poder de dominar e “organizar” essa realidade consumível e inconstante não for utilizado, o lugar de dono desse jogo será perdido. Outros sujeitos entrarão em questão. Por isso muitas faces se voltam a pensar essa corrente que segurará essa fera, essa sociedade em formigamento. A exemplo disso, podemos citar, e explorar, o fato comum, atualíssimo, de estratégia do governo do Estado do Acre, para criar uma atmosfera de harmonia e paz nos anos de gestão, e principalmente os eleitorais, contornando por esse mecanismo uma parcela significativa do caos gerado pela falta de outras iniciativas de gestão. Cria o governo uma idéia de identidade acreana, transplantada não sei de onde, mas que atinge e conforma o povo. Um ideal de florestania. Assim como se fez no momento de unificação e formação de alguns Estados nacionais da Europa e mesmo no início da República Brasileira, onde uma idéia dispô-se a soldar e unificar todo um aglomerado de questões complexas e disfarçar sob tal véu, questões sociais que preocupam. No caso europeu, eram as muitas línguas e culturas. No nosso, são os diversos problemas sociais como habitação, desemprego, educação, saúde e muitos outros. Assim, tudo que existe de mais importante e complexo é escondido debaixo desse status quo, de certa forma coletivo, que todos dizem desfrutar, essa paz de espírito de homens que vivem no meio da floresta, em conformação com bichos da mata, os alimentando nas praças.
Não desfruto dessa identidade falseada, que busca dá a impressão que andamos em meio as onças, nadamos com as capivaras, e que temos como bichinhos de estimação um indiozinho, esquecendo-se do fato de que milhares deles pedem esmola no centro de Rio Branco, próximo às instituições do Governo.
É o que vemos nos outdoors pelos incontáveis lugares onde o poder público não chegou. Tanto no centro, como periferia, lá estão os ditos outdoors, com fotos de índios, pousando com singeleza para uma câmera digital, sociedades inteiras e complexas reduzidas e estandartes de uma outra que as sobrepujou, e que agora, dá-lhes o direto de aparecerem em fotografias e de servirem de adesivos, bonés, camisetas e marcas de grifes para o consumo. Tratam o índio como estranho, quando sabemos que os estranhos somos nós mesmos. Intrusos nessa floresta que estava tão bem sem nossa presença. Disso surge outras questões que também não aparecem nas fotos. Enquanto que a onda florestânica nos invade, nossos tratores e moto serras invadem a floresta e tudo parece tão simples e invisível que a atmosfera de paz não se desfaz em nenhum momento. Ninguém diz que estar errado. Ninguém diz um pio sequer. E assim como se tem visto deste os anos 70, do século passado, o capitalismo é o grande jogador por trás de tudo isso, instituído por homens que ganham ótimos salários, que os “impossibilitam” de tomarem uma posição crítica sobre tais transformações. São os mantenedores do sistema, os donos do jogo, autoridades eleitas (ou não) que desviam o olhar para questões importantes frente a condições individuais de posição.
Os jogadores. Tais como os vemos nas mesas de um carteado estão aqui. Caminhamos lado a lado, os cumprimentamos na praça Da Revolução de uns, da miséria de outros, são figuras e condutores desse jogo de poder. Conduzem peças com as mãos, sem questionamentos, levam o jogo entre os dedos, equacionando as perdas e ganhos. São o que vemos na televisão, dão sorrisos e inauguram escolas antigas, realizam concursos para empregos públicos, pois, representantes da divindade egípcia, são misericordiosos e têm a grandeza de Deus.
O complexo jogo trás suas mazelas. Deformações no sistema e em suas engrenagens. É o caso de, para sua própria segurança enquanto sistema, permitir a inclusão de elementos estranhos a si em sua restrição. Pequenas parcelas que idealizam a ascensão dos menos favorecidos, super heróis que usam sementes e colares de árvores legalmente exploradas e originadas de reservas de exploração capitalista, tudo muito chique. Reservas que são poupanças do próprio capital, para um futuro próximo, quando as áreas que hoje estão aí, já não existirem. Por isso mesmo, como nunca na história desse país, os pobres são tão felizes, não por uma abstração, mas por um sentir-se privilegiado nesse ocaso. O trabalho dignifica o homem e enriquece o empresário. Poderia-se criar um livro de alforrismos como o fez Nietsche. Ou mesmo criar um novo Quixote, como vemos em Borges. Um motorista em sua Hilux, o cavalo a reboque, adesivo socialista no vidro, bandeira americana nas vestes, a carteira repleta de cheques, boa fala, bom sorriso, que sai comprando fazendas e conquistando terras de índios para assentar empresas e fábricas de árvores de natal e camisinhas de morango. Um homem culto, poliglota, que no final da história luta com animais sem se ferir, atravessa rios a nado, como um Tarzan acreano, com sua senhora de fibra de carbono e borracha duma fábrica local, a inflável e infalível Jane, a comprar sapatos no centro de Rio Branco, que por pertencer à mesma linhagem pura dos deuses do Egito, dá um real em moeda aos indígenas que pedem esmolas pelas ruas da cidade.
Esquecemos os escravos. A terceira parte do jogo que não merece ser mencionada. A que compra bonés e blusas do ACRE e usa estufando o peito por uma identidade que antes não tinha, que viu na TV e nos outdoors. Que confia nessa onda de harmonia e sutilezas, apesar dos salários pequenos e das filas nos postos de saúde. São esses os verdadeiros heróis do Quixote, sem razão, mas dotados da capacidade de servir e andar de ônibus apertados com passagens que aumentam todos os dias. Heróis que enfrentam a polícia e levam peia só por que não têm dinheiro para comer e vestir. O lado do binômio que só conta nas urnas eletrônicas. Amados e odiados pela esquerda e pela direita. Essa por saber que a quantidade é boa para se superar os adversários no 3 de outubro, aquela por saber que revoluções não levam a nada e que o povo não gosta de lutar, o povo quer paz, mesmo sofrendo o povo quer assistir novela das 8 e ver a mocinha e o bandido, vivendo emoções virtuais e controladas.
Quem quiser roubar que roube, o importante é que fez minha calçada. Uma obra para uma aventura, nosso Quixote cria seus conselheiros e protetores, consultores e assessores que o instigam a dominar a razão dos excluídos e a fazer discursos entre particulares. Como num jogo de esconde, de alguém que nunca se acha, esse ser-ser, digno do sistema e senhor dele, por 4 anos ou mais 4, certamente carente de moinhos de ventos para lutar com castanheiras e açudes para mergulhar em função de banhar as vestes sagradas de rei.
A identidade falseada se cria quando grupos institucionais se dispõem a estabelecer objetos e símbolos onde todos possam se reconhecer como iguais, pobres e ricos, acreanos do pé rachado e contas bancárias diferentes. Amém. Entre tantos rostos a união por um elo se mostra arma de condução de sociedades inteiras, na busca de se explorar interesses econômicos de uma minoria que governa. Assim estabelecem uma identidade marcada pela harmonia entre os povos da floresta, quando sabemos que o espírito de luta e transgressão é o que domina a vida e a tentativa de sobrevivência de todos.
Rejeito essa identidade que não nos dá o direito de nos inserir nela. E a nossa luta? Nossos enfrentamentos? Nossos duelos? Nossa identidade surge quando nos dispomos a nos inserir no mundo, e isso não é de forma alguma algo harmônico, é agressão e duelo, diálogo e confronto. Rejeito essa identidade que nos anula enquanto sujeitos da história, não somos símbolos de harmonia, o que nos conduz, seres humanos todos é a identidade que nos constituiu, e não a que nos expõe alguém que não nos conhece.


domingo, 8 de junho de 2008

Hélio Melo 1

Para Hélio Melo o Mutá ( ou Jirau ) é usado em duas situações: a primeira é quando a seringueira escalda e o seu látex desaparece da parte trabalhada, e a segunda é quando o seringueiro trabalha há muitos anos cortando em cima do velho corte e este afina a casca da seringueira, diminuindo sua quantidade de leite. Para isso é preciso cortar mais acima, longe da estatura do homem da floresta, e faz-se então uma estrutura com troncos de árvores e cipós. Muitos morreram tentando surbir esse Mutá, homens que madrugadas a dentro dos anos deram suas vidas por um líquido precioso, sempre em busca da sobrevivência precário dos seringais.
Para nós, o Mutá é símbolo desse homem em busca, elaborando planos de sobrevivência, confirmando sua vida com a floresta, e longe de qualquer afirmação de origem nacionalista de possíveis críticos, afirma uma condição de afirmação do homem, não do Estado, embora essas duas condições podem estar associadas.


Nosso idéal é a discussão em torno dessa cultura, suas ferramentas e homens. Como cada uma constrói sua identidade nessa multiplicidade de esferas e domínios onde somos tão pequenos. Por isso mesmo Hélio Melo nos conduz nesse primeiro passo, nos colocando outros horizontes e estradas, cortando caminhos e nos encontrando umas vezes para negociar o que o tempo e o esforço nos trouxe.
Por isso mesmo insisto no homem, ferramenta de agressão ao que fazem dele. Instrumento de ordenação de um caos posto. Modelo de ação, arbitrário, de como devemos ou não permanecer em espera. Caminhado nessas estradas de seringa e asfalto, entre o concreto e o macio chão das folhagens quase podres, uns dizendo algo, algo sem rumo, a precisar endireitar-se com o processo, num empreendimento anarquico de ódio e paixão.

Diversos são os caminhos a seguir. Muitos já não levam a nada. Já existe uma poesia sem sentido e sem amor. Uma lógica instrumental de mecanismos imprecisos e ocultos. Uma lei sem escrito. Um ~ sem palavra alguma. Nessa estrada deixamos pessoas e armas, instrumentos de matar e dar comida. Só sei que foi difícil saber que sabemos tudo e que não somos as pessoas que fariam alguma coisa.
Hélio Melo nos conduz a nós mesmos, ao centro dessa identidade sem volume e limite, fazendo assim, um existir em busca de um sentir-se agir.

A dar volume ao impossível
o improvável caso de tanta imagem
o convite foi lançado e cai entre os ouriços e corpos
estamos aqui e precisamos saber
que estamos
entre tantos
com palavras a dizer
e uma força a agredir.